Neurópolis. Relatos de um compositor que está tocando gente... a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo Entrevista com Lívio Tragtenberg Por Heloísa de A. Duarte Valente e Teresinha Prada Núcleo de Estudos em Música e Mídia - MusiMid Errante, errático, compositor de idéias e de gente... O músico e compositor paulistano Lívio Tragtenberg, 43 anos, faz uma auto-análise do que possa ser. “Sem nenhuma formação definida”, como ele mesmo diz, mas “com muita informação”, conta que teve grandes mestres: Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, entre outros. “Eu não tive uma formação em música, tive uma informação a partir da adolescência, já combinada a música com outras linguagens”. O autor de diversas obras musicais e literárias como “Anjos Negros”, no qual interpreta “Orfeu Suíte” e “Artigos Musicais”, coletânea de artigos publicados no jornal Folha de S. Paulo, desfaz-se e se refaz em palavras, com pleno domínio do assunto. Realizou também diversas trilhas sonoras para filmes como Um Céu de Estrelas (1996), Brava Gente Brasileira (2000) e Contra Todos (2003). Em uma conversa de bastidores, ele fala ao MusiMid do novo trabalho: Neurópolis, poucas horas antes de começar a tocar a própria composição de gente que compõe a trilha sonora das ruas de São Paulo. MusiMid - Lívio Tragtenberg, muito obrigado por estar concedendo está entrevista ao MusiMid e devido a importância do seu trabalho, do enfoque dele, nós gostaríamos de ouvir um breve relato da sua formação intelectual, musical de modo a fazer entender um pouco da sua trajetória artística e intelectual aos nossos leitores. Lívio - Bem, eu costumo dizer que eu não tive formação, eu tive informação, porque eu não estudei formalmente música, em escola e tal, então para mim as coisas sempre vieram de uma forma... (silêncio) Na medida do meu interesse, em que eu fui buscar, e uma coisa levando a outra, mas tive grandes mestres, os discos, os livros e, a partir de uma certa idade, lá em São Paulo, eu travei contato com um grupo de pessoas fantásticas para um moleque de quinze anos: o Augusto de Campos, o Haroldo de Campos, o Décio Pignatari e vários poetas visuais como o Júlio Mendonça. Então, na verdade, eu não tive uma formação em música, tive uma informação a partir da adolescência, já combinada a música com outras linguagens. Por isso, para mim, é muito natural eu trabalhar com música ligada à imagem, ligada à palavra... Esse... percurso... de... ir mordendo... de autodidata, ele é errante, é errático... Então, há muitas vantagens e muitas desvantagens, mas como eu tenho interesses diversificados, eu pude usufruir dessa liberdade que o autodidata tem e ao mesmo tempo não e star comprometido com nenhuma escola ou linha, não é? Basicamente, isso. MusiMid – A influência do seu pai, que é uma personalidade histórica na Educação Brasileira, sua experiência anarquista, acaba por ter uma influência mais direta com essa sua formação errática? Lívio – Não, eu sofro daquela coisa da imitação paterna, eu o imitei, porque ele era autodidata e eu fui ser autodidata também... Então, a influência foi básica, essencial. Essa coisa que ele tinha, de sempre questionar os dogmas, sempre quando vinha alguém com muitas certezas, ele desconfiava. Isso eu levo para meu trabalho, mais que o meu trabalho, eu levo para minha forma de pensar. Quando estou fazendo alguma coisa, de que eu tenho muita certeza; quando penso que já encontrei a coisa de uma forma muito fácil, muito pura até, eu busco baixar a bola, esperar um pouco, ver realmente se aquele caminho é o caminho mais interessante. Ele pode ser até o melhor, mas às vezes não é o mais interessante. É o mais fácil, mas nem sempre o mais interessante... Então, no meu trabalho, sempre busco fazer coisas diferentes. Diferentes, não pelo novidadeiro, mas por ser o próprio motor do interesse em continuar. MusiMid – Algo contra a hegemonia, contra a idéia dominante? É isso que se fala quando se vê uma coisa de que se está com muita certeza... Lívio – Nada no mundo é puro. Tudo é combinação, é mistura. É por isso que eu não me dei muito bem com a música contemporânea, que exige uma certa pureza; o mesmo para a música instrumental, de certa forma. De algum modo, é mais trazer a experiência, criando um conflito. Do conflito nascem novas situações em que você gera um outro conflito. Nunca me interessou estabelecer-me como compositor. Por que isso não me interessou? Porque, basicamente, eu costumo dizer: não sou músico, eu uso o meio da música para minhas idéias, mas eu tenho o mesmo interesse pelas outras linguagens, pela linguagem poética, pela linguagem, pelo texto em si, pelo visual... MusiMid – Mas quando dizem, a respeito do seu currículo: “Lívio Tragtenberg, paulistano...” Lívio é saxofonista e compositor? Surge, aí, o currículo oficial: “Foi professor do departamento de música da Unicamp e tal...” Lívio Tragtenberg, etc. e tal... isso é só para o papel, mera formalidade? Lívio – É só para eu me colocar no mundo. A coisa melhor no mundo é você chegar num hotel, quando dão aquele negocinho (ficha cadastral) para preencher... Ocupação: compositor, isso é uma conquista. Quer dizer: você viver de música, viver da sua composição, você se colocar como compositor, e eu gosto dessa idéia do compositor, porque eu não sou só um compositor de música, hoje a gente vai ver... Vocês vão ver: eu sou um compositor de... idéias! Eu tenho idéias sonoras, tenho idéias que têm a haver com o texto, com as imagens, com o espetáculo, com a interação com a platéia. Eu gosto do conceito de compositor porque é uma linhagem em que eu me sinto honrado em pertencer; porque eu elegi a minha linhagem dentro da linguagem musical e se você tomar boa parte dos compositores interessantes, vai observar que eles tinham interesses outros também. Ou eles estavam ligados a artistas interessantes, a um meio interessante, à inquietação. Então, é mais isso: uma questão de você não se fechar num método, numa linguagem, só em termos da composição musical. Foi o que me levou a naturalmente trabalhar com poesia, com imagem. Musimid – Agora, uma coisa interessante, se a gente toma, por exemplo, a poesia sonora do começo do século passado: Futurismo, Letrismo... A princípio, parece poesia, algo do domínio da literatura, mas se nós pensarmos como música, funciona como música: levada para a literatura. Alguns domínios do conhecimento, especializações são impossíveis de se classificar de maneira rígida. Mas a parte da c lassificação objetiva do compositor, como é que você se denominaria? Um compositor de música ou um outro tipo de compositor? Existe uma denominação, uma classificação para a sua atividade de multi-artística? Lívio – Sabe, eu gosto dessa denominação de compositor. Porque eu acho pretensioso, arrogante, como aquelas denominações multimídia, multi-criador. Compositor, eu sou um compositor. E não interessa o que eu o sou (exalta-se), basicamente. Então, vamos resumir: sou um compositor! Interessa o que eu faço, não é? Se é que interessa! Então, não interessa o nome a que me dou, eu nunca me prendi à questão da própria forma, como a gente se coloca (silêncio). Nisso eu sou muito é... eu sou um juntador de coisas; na verdade, cada vez mais um juntador... Vocês vão ver hoje à noite. E cada vez mais isso me interessa, porque eu lido com pessoas, e isso está me interessando cada vez mais. Outro dia me perguntaram: “- O que você toca?”, eu respondi: “- Atualmente eu estou tocando gente... tocando cultura ... musical”. Aí se temos as senhoras que tocam koto e shamizen as músicas do século XIII, misturadas com o embolador da Praça da Sé... Então, eu estou tocando esse pessoal! MusiMid – E eles se afinam! Como é a sua lide com a música, na prática? Lívio - Nunca me interessou a minha música, você entende? É... pode parecer um negócio maluco, mas essa coisa que fala: “-Ah, você compõe trilha sonora, trilha sonora é uma coisa de segunda, é... menos importante do que a tua música.” Eu falei “- A minha música é tudo o que eu faço, então é trilha sonora, é minha música, tanto quanto a minha música que eu faço... Eu não vejo status, eu não qualifico a criação em status, de haver uma coisa com um status maior, outra com status menor. Por isso é que a idéia de que as coisas se intercomunicam de uma forma natural, para mim é tão tranqüila. E é muito tranqüila no sentido de criar significados. Agora, o problema é que você precisa ter um certo conhecimento específico nas diversas áreas. Para mim, isso é um estímulo, não é um problema. Quer dizer, me obriga a estudar isso, estudar aquilo, conhecer um pouco mais daquilo outro. Porque eu acho que o compositor, hoje em dia, vindo da tradição da música (silêncio) ocidental, ele já é um tipo diferente, ele já não é mais só aquele que precisa saber disso, daquelas técnicas musicais convencionais como contraponto, harmonia, orquestração... Eu acho que ele tem é que se inserir num âmbito maior, sabe? Porque o próprio circuito de conceitos de tudo isso, ele é herdado de uma época, e o problema que eu vejo da música contemporânea, é que ela não conseguiu um espaço ativo dentro dessa nova dinâmica, entende? Um espaço social. Então ela ficou ainda muito presa,... isso os músicos, os compositores, os intérpretes, eles continuam no século XIX, na Europa, na estrutura de vida, mesmo, o pensamento de vida, claro que isso não quer dizer que não vai tocar mais Beethoven... Não! Não é nada disso, mas no mundo ocidental se dá um status ao músico erudito. Por mais por baixo que ele esteja no Brasil, ele tem um status social, em boa parte do meio. Isso fecha as possibilidades. Quero dizer: a pessoa já não toca se não for o piano x y, já não vai a um lugar. Entende-se toda uma questão quase sociológica do músico erudito aqui (Silêncio). A própria palavra erudito já é um horror, não é? Então, a questão, hoje, é dominar todas as técnicas, isso é o básico. Isso eu falo para o pessoal quando dava aula. “– Você... ah eu...”, você tem que estudar tudo, saiba tudo, tudo... É o mínimo. E jogue tudo fora, para aí você começar a ver o que interessa. Da lata do lixo você tira, porque senão transforma isso numa camisa de força. Porque é um acervo que você constrói com tantos anos de empenho e de capital mesmo... Fazendo faculdade, pós-graduação, doutorado e tal e tal, que é difícil abrir mão disso para uma nova idéia. É, ou não é? MusiMid – É. E também há uma dificuldade maior a considerar, que é a escolarização hoje. Alguém que sai da graduação, vai para uma pós-graduação, porque não sabe nem escrever direito. Nossos alunos e os trabalhos mostram falhas que, antigamente, correspondiam à quarta-série do Primário. Os alunos não conhecem a conjugação de verbo, crase, contas simples, então é... um descompasso a mais. É a especialidade em vários campos aliada a essa dificuldade de descompasso da escolaridade. Lívio – É a mesma diferença social que tem no Brasil. Uma elite e uma massa abandonada à própria sorte... A mesma coisa na educação... se tem, ao mesmo tempo, centros de excelência no Brasil que não existem no mundo. Mas eu acho que essa coisa... a educação, um problema... (divaga). Arte, eu não gosto dela na Universidade, do jeito que ela está montada. Eu acho que ela não... universaliza... ela universatiriza... (risos). A Arte, ela virá arte universitária, isso não existe... Existe arte! Então, você tem um certo código, o compositor na universidade ele não tem estúdio, ele tem laboratório, ele quer o status do cientista. E o cientista quer o status do artista. Porque ele quer criar, cada vez mais a fantasia e a acaso e os processos abertos interessam... Isso é uma vanguarda na ciência... Quer dizer, é uma loucura, e ao mesmo tempo o artista na Universidade quer cada vez mais o status do cientista, eu brinco que ele compõe com luva cirúrgica, para não contaminar o teclado, nem o computador. Então são músicas... é isso que eu falo de não ter um c onflito, buscam a pureza. Pureza, você sabe no que dá... não é? Já deu na História, essa história de pureza. MusiMid – Tomando esses dois tópicos que você citou: Um deles, da própria Educação: de um lado nós temos essa chamada elite na música erudita, que é uma expressão infeliz, concordamos, mas por outro lado, está havendo uma grande desvalorização daquele que estudou um pouco mais e considera como aquilo que é chamado por aí de popular, como sinônimo de iletrado. Nessa ideologia, o naturalmente espontâneo é o puro, o autêntico, o bom. Isso tem sido tema de nossas discussões em grupo, queria saber se você concorda com isso, se discorda, comenta alguma coisa a respeito. Lívio – Se é que eu entendi a sua idéia, acontece o seguinte: todas essas coisas têm a haver com manipulação econômica... São outras esferas que estão nisso, quando se fala hoje em dia, exporta cultura musical brasileira, se bota essas coisas... Na verdade, nada é nada... Tudo é um jogo de mercado, entretenimento, e a gente está falando de entretenimento... Pelo que eu entendi, o que você está falando, essa hiper-valorização da coisa popular, do iletrado, até como um valor, não é como Monteiro Lobato fazia com o caipira, com o Jeca, porque agora eles ganham grana em cima do Jeca; o Jeca, hoje, virou um valor de moeda. Eu acho que é tudo uma questão de mercado, mesmo, e vai se manter a ignorância como uma moeda onde se fatura... A base de todos os problemas é o problema da Educação. Enquanto as pessoas não tiverem uma boa educação, elas vão ser reféns... MusiMid – É que de alguma maneira esse elogio a um músico, um profissional formado, hoje, é mal visto em relação a outros que tocam três ou quatro acordes, quem aprenderam sozinhos. E isso é valorizado dentro da academia pelos musicólogos (alguns deles, nem é preciso citar nomes, bastante famosos...) MusiMid – E essa tentativa de inclusão social, via arte, via música, como o Projeto Guri, por exemplo... Estas iniciativas de tirar o menor da rua via arte, como é que você entende isso? Como um tipo de assistencialismo? Gera arte? Lívio – Olha, aí tem que tomar cuidado, temos muitos projetos, muito diferentes... Eu não os conheço muito profundamente, a gora eu acho difícil você pegar uma criança e botar um violino na mão dela, eu acho que antes de tudo a criança tem que ter tido uma convivência com música, com o som, com a arte de diversas formas, é meio tapar o sol com a peneira, na verdade é fugir do problema principal que é a escola. Escola tem que ser boa... escola sendo boa, você não precisa de mais nada disso. SESC-Santos, 21/05/2005 Transcrição dos originais: André Baptista de Vasconcelos Heloísa de A. Duarte Valente é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Música e Mídia (MusiMid), é autora de Os cantos da voz: entre o ruído e o silêncio (Annablume), As vozes da canção na mídia (Via Lettera), entre outros artigos em revistas especializadas. Teresinha Prada é violonista, integrante do Trio de Violões de São Paulo, Mestre em Produção Artística Latino-americana e Doutoranda em História pela USP. |
domingo, 30 de janeiro de 2011
Uma entre-vista em Santos - 2007
sábado, 29 de janeiro de 2011
H LAXIA
H LAXIA 16 de fevereiro a 10 de abril - SP
Dia 16 de fevereiro de 2011 inauguro no Itau Cultural e na Casa das Rosas em SP, duas instalações sonoras com videos, etc; em tôrno da poesia de Haroldo de Campos.
H LAXIA - Itau Cutlural - a partir de Galaxias: um tunel em que o publico percorre estimulado por sons, imagens e ao final do percurso pode registrar sua propria voz lendo galaxias ou fazer o que lhe aprouver.
O Âmago do Ômega na Casa das Rosas é uma instalação de musica e video, de um projeto que concebi com Haroldo e realizamos gravações de sua voz entre 1998 e 2000. O resultado é uma imersão profunda nos poemas negros da serie.
Salve-se quem puder!
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